Sinodalidade, caminho de comunhão eclesial

PREZADOS DIOCESANOS,
No dia 17 de outubro, conforme as indicações vindas da Santa Sé, que nos preside na caridade, iniciamos o processo de escuta. Para que esse caminho seja realmente autêntico, todas as realidades eclesiais existentes em nossa diocese são chamadas a participar.
Desejo reafirmar o que o Papa Francisco nos exorta: este processo sinodal seja feito de forma que realmente o Espírito Santo fale em nossos corações e, a partir de uma caminhada orante, contemplativa e colaborativa, possamos contribuir, enquanto Igreja Particular, neste caminho desejado pelo Papa. Sempre bom recordar o que nos pede o Santo Padre: “O Sínodo é um caminho de discernimento espiritual, de discernimento eclesial, que se realiza em adoração, em oração, em contato com a Palavra de Deus”. Sinodalidade comporta Espirito de fé, comunhão, amor eclesial, do contrário este evento de suma importância se parecerá mais com um encontro de grupos ideológicos que se querem anular. Tal mentalidade empobrece o sentido de sinodalidade onde uma certa sanha reformista na igreja, deformará sua missão. Neste sentido as palavras do prefeito emérito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Miller, nos ajudam neste discernimento ao dizer “a Igreja não é nem pode se tornar uma organização religiosa-social a caminho de um paraíso terrestre que vai falir; em vez disso, a Igreja é um organismo vivo, o Corpo de Cristo, que é sua Cabeça universal e o seu Salvador. As pessoas não podem reformar ou reconstruir a Igreja a seu bel- prazer; é Deus quem nos reforma, nos renova, para sermos bons cristãos, membros vivos do Seu corpo [eclesial]. Cristo é a Cabeça. Os bispos, e também o bispo de Roma, são apenas Seus servos. Esta palavra divina deve ser a máxima do próximo sínodo”.
Antes de tudo, torna-se de fundamental importância refletir sobre o sentido de uma autêntica eclesiologia pós-conciliar já que muito se fala sobre este assunto, onde cada visão eclesial se esforça no impor seu modelo como único e exclusivo. Entendemos que o caminho sinodal é justamente superar esses esquemas ideológicos e tão prejudiciais para o bem da nossa comunhão.
Considero ser muito necessário retomar a época de ouro de nossa Igreja, isto é, o período patrístico, a começar por Inácio de Antioquia, discípulo do Apóstolo João, que nos recorda a importância da unidade em torno do bispo e da Eucaristia. Sobre o sucessor dos apóstolos, o santo mártir recorda: “onde está o bispo, aí está a comunidade, assim como onde está Cristo Jesus aí está a Igreja Católica” a ser também corroborada esta reflexão na Constituição Apostólica Lumen Gentium do Concílio Vaticano II “…por instituição divina, sucederam aos Apóstolos como Pastores da Igreja, e quem os ouve, ouve a Cristo, e quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo” (LG 20). Em relação a Eucaristia, Inácio oferece belíssimo testemunho de coragem e fé inabalável na presença real de Cristo no Sacramento da Eucaristia: “não encontro mais prazer no alimento incorruptível nem nos gozos desta vida, o que desejo é o pão de Deus, este pão que é a carne de Cristo e, por bebida, quero seu sangue, que é o amor incorruptível”. Neste aspecto considero fundamental aprender com Santo Inácio de Antioquia como expressão de autêntica sinodalidade amar a Igreja e viver em comunhão conforme autêntica espiritualidade eucarística.
São muitos e valiosos para nossa reflexão os textos patrísticos, de modo que, dentre tantos, ressalto também, as reflexões do grande bispo de Hipona. Seus escritos primam pelo caminho da comunhão. Ilumina-nos esse grande bispo africano, muito habituado ao exercício da sinodalidade, a nos exortar que a missão da Igreja é buscar a unidade, apoiada na solida rocha da comunhão que encontra seu modelo sublime no mistério da Trindade.
     Neste aspecto é preocupante perceber movimentos teológicos que parecem privilegiar visões excludentes, parcializadas e reducionistas sobre o mistério da Igreja, a partir do momento que somente destacam uma imagem da Igreja, ignorando outras que, no seu conjunto, apresentam uma eclesiologia mais completa. Refiro-me, por exemplo, a compreensão da Igreja como Povo de Deus que está no capítulo II da Lumen Gentium, muito justa e adequada, porém quando contaminada por uma visão moderna de “luta de classes”, esquema piramidal, parece contrapor leigos e pastores, onde o perigo do chamado “clericalismo” se torna presente nas disputas de poder, não só no ambiente clerical, como também em alguns leigos que se apropriam deste esquema e transformam as comunidades em seus feudos. A Igreja, nos seus primórdios, não tinha essa visão deturpada sobre o ministério sacerdotal e os fiéis. Ao mesmo tempo tinham presentes a importância do múnus episcopal, confirmado pelos documentos do Concílio Vaticano II na Lumen Gentium cap. III ao falar da constituição hierárquica da Igreja ressaltando “… os bispos, fossem os pastores na Sua Igreja até ao fim do mundo” (LG 18). Vê-se claramente que não é o bispo um “soberano de nação monárquica constitucional onde é chefe de estado, mas não governa”. O bispo deve servir como pastor que conduz, ensina, governa por ser “dentre os vários ministérios que, desde os primeiros tempos, se exercem na Igreja, ocupa o primeiro lugar conforme a tradição comprova, o múnus daqueles que, constituídos no episcopado, por uma sucessão que decorre desde o princípio, são transmissores do múnus apostólico” (LG 20) e que possuem o gravoso encargo “de promover e defender a unidade da fé e a disciplina comuns a toda a Igreja, instruir os fiéis no amor de todo o corpo místico de cristo, especialmente dos membros pobres, dos que sofrem, e dos que são perseguidos por causa da justiça; devem, enfim, promover toda a atividade comum à Igreja inteira, em ordem sobretudo a dilatar a fé e a fazer brilhar   para todos os homens a luz da verdade total” (LG 23).

Agostinho nos ajuda nesta reflexao, quando escreve: “Aterroriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo; convosco, sou cristão. Aquele é nome do ofício recebido; este, da graça; aquele, do perigo; este, da salvação…” (Sermão 340,1 Sto. Agostinho), para dizer que está inserido no conjunto dos fiéis, novo Povo de Deus e possui uma missão pastoral de governo e ensino, à serviço desta Igreja que é Corpo Místico de Cristo, cada um a exercer seu ofício a serviço do Reino.
Entendo que, para compreender bem o caminho sinodal precisamos refletir sobre a Igreja não só como Povo de Deus, mas também Corpo Místico de Cristo, muito bem apresentada no documento conciliar LG em seu primeiro capítulo ao falar do Mistério da Igreja como Sacramento em Cristo e afirmar que “na edificação do corpo de Cristo há diversidade de membros e de funções… Dentre esses dons sobressai a graça própria dos Apóstolos, a cuja autoridade o mesmo Espírito sujeitou até mesmo os carismáticos cf. 1Cor 14”, cuja inspiração tem como fonte as profundíssimas reflexões de Paulo.
Agostinho ao demonstrar ter este mesmo apreço sobre a Igreja como Corpo Unido à Cabeça, nosso Mestre e Senhor Jesus Cristo nos ajuda a refletir que “… os membros de Cristo não estão em contraposição, todos aqueles que formam o seu corpo cumprem, cada um, o próprio ofício… a fim de que não haja divisões no corpo, mas unidade, e os membros sejam solicitos uns com os outros” (Serm 24,5).
 
Poderia citar muitos outros textos patrísticos e do Concílio Vaticano II sobre o tema, no entanto, acredito que as reflexões apresentadas nos servirão de motivação para que o processo sinodal, iniciado em todas as Igrejas Particulares, contribuindo assim para uma caminhada eclesial, onde a caridade e a comunhão sejam a tônica principal em meio a este mundo tão dilacerado por divisões ideológicas e parcialidades.
Que o Santo Espírito realmente conduza nosso caminhar juntos a serviço do Reino. 
O Senhor é nossa força!